terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Meia Noite / Capítulo 2 (Parte 2)

Quando Garra de Amora Doce emergiu pelo túnel de entrada, o primeiro gato que ele avistou foi Pelagem de Poeira. O Guerreiro malhado em tons de marrom escuro estava andando de um lado para o outro na frente da Toca dos Aprendizes, sua cauda chicoteava sem parar. Dois outros Aprendizes, Pata de Aranha e Pata Branca, estavam agachados sob a sombra de uma das samambaias, observando a apreensão do Guerreiro escuro.
— Err... — Pata de Esquilo murmurou, envergonhada.
— E então?— A voz do Guerreiro malhado estava fria. Garra de Amora Doce estremeceu, sabia como ele estava irritado com a Aprendiz cor de gengibre. A única gata que nunca tinha sentido o tom áspero dele era Nuvem de Avenca. — O que você tem a dizer a seu respeito disso?
Pata de Esquilo percebeu seu olhar furioso, mas se esforçou para responde-lo com coragem.
— Eu saí em uma Patrulha, Pelagem de Poeira.
— Ah, em uma Patrulha! Isso eu já percebi. E quais gatos ordenaram isso a você? Listra Cinzenta? Estrela de Fogo?
— Nenhum gato me ordenou, mas eu achei que... — Pata de Esquilo miou, com a voz trêmula.
— Não, você não deveria achar nada.— A voz de Pelagem de Poeira estava severa. — Eu disse que iríamos treinar hoje. Pêlo de Rato e Pêlo de Samambaia levaram seus Aprendizes para aprender novas tecnicas de luta. Nós poderíamos ter feito isso assim como eles, mas não fizemos porque você não estava aqui. Não percebeu que todos os gatos foram procurar por você?
Pata de Esquilo sacudiu a cabeça, arranhando o solo seco com suas patas dianteiras.
— Ninguém te encontrou, então Estrela de Fogo enviou uma Patrulha para seguir seu rastro de cheiro. Você não viu nenhum sinal deles?
Mais uma vez, Pata de Esquilo balançou a cabeça negativamente. Garra de Amora Doce percebeu que, devido ao aroma pesado daquela manhã, seria quase impossível a Patrulha ter conseguido rastrear a Aprendiz.
— O Líder do Clã tinha coisas mais importantes para fazer do que procurar por uma Aprendiz que não pode fazer o que seu mentor pede, — Pelagem de Poeira continuou. —Garra de Espinho, por que você deixou ela ir com vocês?
— Me desculpe, Pelagem de Poeira. — Garra de Espinho abaixou a cabeça para o Guerreiro malhado. — Eu pensei que ela estaria mais segura com nós do que andando sozinha pela Floresta.
— Isso é verdade. — Pelagem de Poeira bufou, voltando-se novamente para Pata de Esquilo.
— Nós ainda podemos ir e fazer o treinamento. — Pata de Esquilo sugeriu timidamente.
— Não. Sem mais treinamento para você até que aprenda como um Aprendiz deve se comportar. — Pelagem de Poeira faz uma pausa. — Você pode passar o resto do dia cuidando dos Anciões. Certifique-se de que eles tem presas frescas para comer, arrume seus Ninhos de musgo, e passe por cima de seus pêlos algo para tirar os carrapatos. Eu estou certo de que Manto de Cinzas terá bile-de-rato em abundância para você.
— Uh,eca! — Pata de Esquilo olhou para ele com desespero.
— Bem, o que estava esperando depois do que você fez?
A jovem Aprendiz olhou para ele por um longo momento, como se ela não pudesse acreditar no que ele falou. Quando não houve nenhuma mudança no olhar duro de seu mentor, ela se dirigiu para a Toca do Anciões com gestos impacientes.
— Se Estrela de Fogo ainda esta lá fora procurando por Pata de Esquilo, iremos ter que esperar até ele voltar antes de avisarmos sobre o Texugo. — Garra de Espinho observou.
— Texugo? Que Texugo? — Pelagem de Poeira perguntou, confuso.
Enquanto Garra de Espinho e Pêlo Gris descreviam o que eles tinham vistos nas Rochas das Cobras, Garra de Amora Doce atravessou a Clareira e encontrou com Pata de Esquilo do lado de fora da Toca dos Anciões.
— O que você quer? — Ela cuspiu.
— Não fique brava, — Garra de Amora Doce miou. Ele não podia evitar sentir pena pela gata, mesmo que ela tivesse merecido isso como um punimento por ter saído do Acampamento sem permissão. — Eu vou ajudá-la a cuidar dos Anciões, se você quiser.
Pata de Esquilo abriu sua boca se preparando para uma resposta rude, mas então ela percebeu que o Guerreiro tigrado estava sendo sincero e só queria ajudá-la.
— Tudo bem, obrigada. — Ela murmurou, um pouco desconfiada.
— Você vai buscar o bile-de-rato, e enquanto isso eu irei começar a arrumar os Ninhos.
— Você não vai pegar o bile-de-rato, né? — Os olhos de Pata de Esquilo se arregalaram, com uma expressão desafiadora.
— Não, eu não irei. Pelagem de Poeira disse especificamente para você fazer isso. Você não acha que ele irá perceber?
Pata de Esquilo encolheu os ombros.— Não há nenhum mal em tentar. — Com uma chicoteada leve de sua cauda, ela trotou em direção à Toca dos Curandeiros.
Garra de Amora Doce dirigiu-se para a Toca dos Anciões, que estava localizada em alguns arbustos protegidos por árvores caídas. A árvore estava com uma aparência queimada; Garra de Amora Doce podia ainda sentir o cheiro acre na casca queimada, devido ao fogo que tinha se espalhara pelo Acampamento há quatro estações atrás, quando ele era apenas um Filhote. Mas a grama cresceu novamente ao redor do tronco, macia e verdejante, fazendo uma casa confortável para os gatos mais velhos, que já tinham servido o Clã suficientemente.
Quando ele traçou seu caminho por entre a grama, encontrou os Anciões tomando Sol em uma pequena Clareira. Cauda Mosqueada, a gata mais velha do Clã do Trovão, estava adormecida e sua pelagem atartarugada subia e descia ao passo de sua respiração. Pele de Geada, uma bela gata branca, estava brincando levemente com um besouro que estava sobre a grama. Cauda Sarapintada e Rabo Longo estavam rindo juntos, como se estivessem no meio de uma boa fofoca. Garra de Amora Doce sentiu uma pontada de simpatia quando ao olhar para Rabo Longo; o gato malhado em tons pálidos era ainda um jovem Guerreiro, mas sua visão tinha começado a falhar então ele não poderia mais lutar ou caçar por si próprio.
— Olá Garra de Amora Doce. — O ancião cego voltou seu semblante na direção do jovem Guerreiro, e abriu as mandíbulas para inalar o cheiro do novo visitante. — O que podemos fazer por você?
— Eu estou aqui para ajudar Pata de Esquilo, — Garra de Amora Doce explicou. — Pelagem de Poeira ordenou que ela cuidasse de vocês o dia todo.
— Escutei boatos de que ela estava perdida. — Cauda Sarapintada caiu em uma gargalhada meio rouca. — O Clã inteiro estava procurando por ela. Mas eu sabia que ela tinha saído por conta própria.
— Ela nos seguiu, disse que queria participar da Patrulha da Manhã. — Garra de Amora Doce suspirou.
Antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, Pata de Esquilo emergiu por entre a grama alta que circundava a Clareia. Ela tinha um graveto pendurado em sua mandíbula; no qual estava presa uma bola de musgo cheia de bile-de-rato. Garra de Amora Doce franziu o nariz ao sentir o cheiro fétido do bile-de-rato.
— Certo, quem tem carrapatos? — Pata de Esquilo miou, ainda com o galho em sua boca.
— Você que deveria procura-los. —Garra de Amora Doce miou severo.
Pata de Esquilo lançou-lhe um olhar irritado.
— Você pode começar comigo, —Pele de Geada se ofereceu. — Eu estou certa de que tem um em meu ombro, mas é bem onde não alcanço.
Pata de Esquilo fitou a gata, partindo seu pêlo branco com as patas e grunhindo de nojo ao avistar o carrapato. Ela enxugou o carrapato com o pedaço musgo úmido, derramando o bile fétido sobre ele, até o o mesmo cair. "Carrapatos obviamente detestam bile-de-rato, assim como gatos." Garra de Amora Doce concluiu.
— Não tenha nojo, — Cauda Sarapintada miou para Pata de Esquilo, que continuou procurando os carrapatos no pêlo de Pele de Geada. — Seu pai foi punido muitas vezes quando ele era um aprendiz, até mesmo depois de se tornar um guerreiro. Nunca conheci um gato que arrumasse tantos problemas, e olhe para ele agora!
Pata de Esquilo virou sua cabeça para olhar a Anciã, seus olhos verdes estavam brilhando, obviamente esperando uma história.
— Bem, — Cauda Sarapintada sentou-se mais confortavelmente em seu ninho de musgo. — Houve uma vez que Estrela de Fogo e Listra Cinzenta foram pegos alimentando o Clã do Rio com presas do nosso próprio território...
Garra de Amora Doce já tinha escutado essa historia antes, então comecou a recolher as camas velhas dos Anciões, agrupando os pedaços de musgo de modo que formassem uma bola. Quando ele foi em direção ao centro da Clareira, avistou Estrela de Fogo emergindo pelo túnel de entrada, com Tempestade de Areia e Cauda de Nuvem vindo logo atrás dele. Garra de Espinho veio correndo até eles para poder comprimenta-los.
— Graças ao Clã das Estrelas! Pata de Esquilo está a salvo, — Estrela de Fogo miou aliviado, enquanto Garra de Amora Doce se aproximava. — Um dia desses ela ainda vai se meter em uma encrenca.
— Ela já esta bem encrecada, — Tempestade de Areia rosnou. —Espere até eu colocar minhas patas nela!
— Pelagem de Poeira disse a mesma coisa. — Garra de Espinho deu um ronronado divertido. — Ele mandou ela ajudar os Anciões durante o resto do dia.
— Ótimo. — Estrela de Fogo assentiu.
— E mais uma coisa, — Garra de Espinho retomou. — Nós encontramos um Texugo nas Rochas das Cobras, vivendo na caverna onde os cães estavam escondidos algumas Luas atrás.
— Nós achamos que pode ser o mesmo que matou Pele de Salgueiro, — Garra de Amora Doce repousou sua bola de musgo sobre o solo. — Nós não vimos traços de Texugos em qualquer outro lugar da Floresta.
— Ah, espero que seja! Eu daria de tudo para cravar minhas garras nesse desgraçado! — Cauda de Nuvem soltou um rosnado.
Estrela de Fogo se voltou para o Guerreiro branco.
— Sem ordens você não fará nada. Eu não quero perder mais guerreiros. — Ele parou parou por um momento, e depois continuou. — Eu ainda vou ver isso. Avise a todos para não irem caçar na Rochas das Cobras por enquanto. Com sorte, ele sairá antes da Estação Sem Folhas, quando as presas ficarem em escassez.
— E ouriços podem voar, — Cauda de Nuvem resmungou, seguindo Garra de Amora Doce até a Toca dos Guerreiros. — Texugos e gatos não se misturam, e ponto final.