sábado, 20 de agosto de 2016

Meia Noite / Capítulo 2 (Parte 1)

O Sol ainda não tinha nascido quando Garra de Amora Doce saiu com a Patrulha do Amanhecer. Haviam se passado alguns dias desde a Cerimônia de Guerreira de Cauda Castanha e as folhas já estavam se tornando douradas, os primeiros sinais da Estação das Folhas Caídas começavam a surgir pela Floresta, mas ainda não havia chovido por mais de uma Lua. O jovem Guerreiro se encolheu quando a grama longa, repleta de orvalho, roçou seu pêlo. Teias de Aranha recobriam os arbustos, formando uma fina camada acizentada sobre eles, e o ar estava repleto de aromas da Floresta. O barulho dos pássaros acordando se sobrepôs ao som suave dos passos dos gatos.
O irmão de Coração Brilhante, Garra de Espinho, que estava liderando a Patrulha, parou para fitar Pêlo Gris e Garra de Amora Doce.
— Estrela de Fogo ordenou que nós chequemos a Rocha das Cobras, — Ele miou. — Tomem cuidado com cobras, há mais delas pois o clima tem estado muito quente.
Instintivamente, Garra de Amora Doce desembainhou suas garras. As cobras iriam estar escondidas em rachaduras agora, mas assim que o Sol surgisse no horizonte o calor iria força-las para fora. Uma mordida das mandíbulas venenosas poderiam matar um Guerreiro antes mesmo que o Curandeiro pudesse fazer qualquer coisa para ajudá-lo.
Antes de eles terem ido muito longe, Garra de Amora Doce começou a escutar sons estranhos atrás dele, como se alguma coisa estivesse rastejando pelo solo. Ele pausou, esperando a chance de pegar uma presa desprevenida. Primeiramente, ele não conseguia ver nada; então ele percebeu as frondes de uma avenca se ondularem, porém não havia vento. Ele inalou o ar novamente, antes de soltar um suspiro desanimado.
— Saia daí, Pata de Esquilo.
Houve um momento de silêncio. Então a avenca se agitou novamente e suas frondes se partiram para revelar uma gata côr de gengibre.
— O que está havendo? — Garra de Espinho se aproximou de Garra de Amora Doce, com Pêlo Gris logo atrás dele.
O Guerreiro indicou a Aprendiz com um balanço de cauda.
— Eu escutei algo atrás de nós, — Ele explicou. — Ela deve ter nos seguido desde o Acampamento.
— Não fala sobre mim como se eu não estivesse aqui! — Pata de Esquilo protestou com fervor.
— Você não deveria estar aqui! — Garra de Amora Doce retrucou.
— Ei vocês dois, parem de discutir. — Garra de Espinho interrompeu, com um tom severo. — Vocês não são mais Filhotes. Pata de Esquilo, diga-nos o que você está fazendo. Algum gato te mandou aqui com alguma mensagem?
— Ela não estaria escondida em uma avenca se tivessem! — Garra de Amora Doce não resistiu retrucar.
— Não, não me mandaram. — Ela miou, e lançou um olhar um pouco ressentido para Garra de Amora Doce. — Eu queria vir com vocês, só isso. Eu não tenho estado em uma Patrulha faz eras!
— E você não foi dita para ir nesta. — Garra de Espinho respondeu. — Pelagem de Poeira sabe que você está aqui?
— Não, — Pata de Esquilo admitiu. — Noite passada ele prometeu que iríamos treinar, mas todos sabem que ele passa o dia inteiro no berçário com Nuvem de Avenca e seus Filhotes!
— Agora não mais, — Pêlo Gris miou. — Não desde que os Filhotes abriram seus olhos. Pata de Esquilo, eu acho que você pode se meter em problema se Pelagem de Poeira vier procurar por você.
— Você deveria voltar para o Acampamento o mais rápido possível. — Garra de Espinho decidiu.
A Raiva queimou nos olhos de Pata de Esquilo e ela deu um passo à frente, ficando assim nariz a nariz com Garra de Espinho.
— Você não é meu mentor, então não me dê ordens!
Garra de Espinho suspirou pacientemente, e Garra de Amora Doce admirou seu auto controle. Se Pata de Esquilo tivesse falado com ele desse modo, o Guerreiro estaria tentado a arrancar suas orelhas! Até mesmo Pata de Esquilo percebeu que tinha ido longe demais.
— Me desculpe, Garra de Espinho, — Ela miou. — Mas é verdade! Eu não saio em uma Patrulha há dias. Por Favor, posso ir com vocês?
Garra de Espinho compartilhou um olhar com Pêlo Gris e Garra de Amora Doce.
— Tudo bem, — Ele miou. — Mas não me culpe se Pelagem de Poeira te transformar em comida de corvo quando retornarmos!
Pata de Esquilo deu um pulinho de entusiasmo.
— Muito obrigada, Garra de Espinho! Onde estamos indo? Estamos procurando por alguma coisa específica? Vai haver problemas?
Garra de Espinho agitou sua cauda sobre a boca de Pata de Esquilo para silencia-la.
— Rocha das Cobras. — Ele respondeu calmamente. — E é nosso dever nos certificar de que não haverá problema.
— No entanto, fique alerta com as cobras! — Garra de Amora Doce advertiu.
— Eu sei! — Pata de Esquilo disparou, sua cauda felpuda se agitando com impaciência.
— E precisamos fazer isso com o menor barulho possível. — Garra de Espinho ordenou. — Eu não quero ouvir mas nenhum pio vindo de você a não ser que seja uma coisa que eu precise saber.
Pata de Esquilo abriu sua boca para responder, mas então ela compreendeu o sentido do que ele havia dito e acenou positivamente com a cabeça.
A Patrulha continuou seu caminho. Garra de Amora Doce tinha que admitir que agora que Pata de Esquilo havia encontrado seu caminho, ela estava agindo mais calmamente, deslizando silenciosamente por entre os arbustos e ficando alerta a qualquer ruído ou movimento na vegetação rasteira.
O Sol já tinha nascido completamente quando os gatos chegaram ao seu destino e avistaram as formas suaves e arredondadas que formavam a Rocha das Cobras. Um buraco escuro se abria bem na base de uma das rochas, foi lá que a matilha de cachorros tinha se escondido. Garra de Amora Doce sentiu um arrepio ao se lembrar que Estrela Tigrada, seu próprio pai, tinha tentado levar esses animais selvagens até o Acampamento do Clã do Trovão como um ato de vingança contra seus antigos companheiros de Clã.
Pata de Esquilo percebeu sua expressão preocupada, e miou em um tom provocativo.
— Com medo de cobras? — Ela desafiou, com um brilho travesso em seus olhos verdejantes.
— Sim, — O Guerreiro malhado respondeu secamente. — E você também deveria estar.
— Tanto faz. — Ela suspirou. — Elas estão provavelmente com mais medo de nós do que nós delas.
Antes que Garra de Amora Doce pudesse impedi-lá, a Aprendiz avançou em direção a Clareira, obviamente com a intenção de enfiar seu focinho no buraco.
— Pare! — A voz ríspida de Garra de Espinho fez com que ela se encolhesse. — Pelagem de Poeira não te ensinou que não devemos ir fuçar em qualquer lugar antes de sabermos o que iremos encontrar?
— Claro que ele me ensinou... — Pata de Esquilo respondeu, soando envergonhada.
— Então aja como se você tivesse ao menos escutado ele uma ou duas vezes. — Garra de Espinho se aproximou da Aprendiz. — Dê uma boa inalada no ar. E veja se você consegue detectar alguma coisa.
A jovem gata se levantou com sua cabeça erguida, tragando o ar fresco da manhã em sua boca.
— Camundongos! — Ela miou com entusiasmo. — Podemos caçar, Garra de Espinho?
— Mais tarde. — O Guerreiro dourado respondeu. — Agora se concentre.
Pata de Esquilo inalou o ar novamente.
— O Caminho do Trovão, bem ali. — Ela agitou sua cauda em direção a uma trilha de terra que ia diretamente até o Caminho do Trovão. — E um Duas Pernas com um cachorro, mas o cheiro já está fraco... Eu diria que eles estiveram aqui ontem.
— Muito bem. — Garra de Espinho parabenizou Pata de Esquilo, soando levemente impressionado, e ela agitou sua cauda com um ronronar de felicidade.
— Tem mais alguma coisa, — Ela continuou. — Um cheiro horrível... Eu não me lembro de ter sentido esse cheiro estranho em toda minha vida!
Garra de Amora Doce ergueu sua cabeça e tragou o ar. Rapidamente, ele identificou o cheiro que Pata de Esquilo tinha mencionado.
— Texugo. — Ele miou, sentindo suas patas pinicarem com um mal pressentimento.
— Correto. — Garra de Espinho acenou positivamente. — Parece que um Texugo se mudou para a Caverna que os cães habitavam.
— Sorte nossa! — Pêlo Gris ronronou.
— Por que? — Pata de Esquilo questionou os Guerreiros. — Como se parece um Texugo? Eles são um problema?
— Sempre! — Garra de Amora Doce rosnou. — Eles não são bons para nenhum gato, e iriam te matar no exato segundo em que te vissem.
Os olhos de Pata de Esquilo se arregalaram, no entanto ela parecia mais impressionada do que assustada.
Cuidadosamente, Pêlo Gris se aproximou da caverna escura, tragou o ar e deu uma olhada no interior.
— Aqui é tão escuro quanto um coração de raposa! — Ele reportou. — Mas eu não acho que o Texugo esteja em casa.
Enquanto ele estava falando Garra de Amora Doce sentiu o cheiro mais uma vez, muito mais forte dessa vez e vindo de algum lugar atrás deles. Ele se voltou para trás e viu uma cabeça pontuda e listrada aparecer de trás de um tronco de uma árvore próxima. As patas grandes e poderosas do Texugo esmagando a grama, e seu nariz inspecionando o solo.
— Cuidado! — O Guerreiro tigrado gritou, sua pelagem se eriçando com o medo. Ele nunca estivera tão próximo de um Texugo em toda sua vida. — Corra Pata de Esquilo!
Assim que Garra de Amora Doce deu o alerta, Pêlo Gris se escondeu na vegetação rasteira enquanto Garra de Espinho correu em direção à segurança das árvores. Mas Pata de Esquilo permaneceu onde ela estava, seu semblante fixado na criatura.
— Por aqui, Pata de Esquilo! — Garra de Espinho gritou, começando a retornar em direção a ela.
A Aprendiz hesitou; Garra de Amora Doce correu até ela e a empurrou em direção às árvores.
— Eu disse "Corra"!
Seus olhos verdes, brilhando com medo e entusiamo, encontraram os dele por um tique taque de coração. O Texugo continuava a avançar, seus pequenos olhos negros faiscaram quando ele detectou o odor dos gatos. Pata de Esquilo correu em direção aos limites da Clareira e escalou a árvore mais próxima. Assim que atingiu um dos galhos, ela cravou suas garras nele e se encolheu com sua pelagem gengibre eriçada.
Garra de Amora Doce também escalou a árvore, e se colocou ao lado de Pata de Esquilo. Abaixo deles o Texugo cambaleava de um lado para o outro, como se não soubesse para onde os gatos tinham ido. Ele virou sua cabeça preta e branca de um lado para o outro. Garra de Amora Doce sabia que a visão dos Texugos não era muito boa; Normalmente eles apenas saiam à noite, depois que escurecia, e esse Texugo devia estar voltando de uma caminhada noturna.
— Ele iria nos comer? — Pata de Esquilo perguntou, ainda ofegante.
— Não, — Garra de Amora Doce respondeu, tentando diminuir o ritmo de seu coração palpitante. — Até mesmo uma Raposa pode matar para comer, mas um Texugo vai te matar só pelo fato de estar no seu caminho. Nós não somos presas para eles, mas eles não vão tolerar nenhum intruso em seu território. E porque você ficou lá embaixo, olhando o Texugo, ao invés de correr como nós ordenamos?
— Eu nunca tinha visto um Texugo antes, e eu queria. Pelagem de Poeira disse que devemos tentar aproveitar todas as experiências que podemos.
— Isso inclui a experiência de ter seu couro arrancado? — Garra de Amora Doce retrucou secamente, mas pela primeira vez Pata de Esquilo não respondeu.
Enquanto ele falava, Garra de Amora Doce não tinha tirado seus olhos da criatura nem por um segundo. Ele soltou um suspiro de alívio quando o Texugo desistiu de sua busca e retornou para a caverna.
Garra de Espinho pulou da árvore onde ele havia se abrigado.
— Foi mais perto do que eu gostaria. — Ele miou ao passo que Pata de Esquilo e Garra de Amora Doce desciam de sua árvore para se juntarem a ele. — Onde está Pêlo Gris?
— Bem aqui. — A cabeça cinza pálida de Pêlo Gris apareceu em meio a um arbusto de madressilvas. — Vocês acham que esse é o mesmo Texugo que matou Pele de Salgueiro na última Estação Sem Folhas?
— Talvez, — Garra de Espinho respondeu. — Cauda de Nuvem e Pêlo de Rato o espantaram do Acampamento, mas nós nunca descobrimos onde ele foi.
Um sentimento de tristeza invadiu Garra de Amora Doce quando ele se lembrou da gata cinza prateada. Pele de Salgueiro era a mãe de Cauda Castanha, Pêlo de Fuligem e Bigode de Chuva; mas ela não tinha vivido para ver seus Filhotes se tornarem Guerreiros.
— Então o que nós vamos fazer em relação a isso? — Pata de Esquilo perguntou rapidamente. — Devemos ir até lá e matá-lo? Tem quatro de nós, e somente um Texugo. O quão difícil seria?
Garra de Amora Doce estremeceu, enquanto Garra de Espinho fechou os olhos lentamente e esperou um momento antes de falar.
— Pata de Esquilo, você nunca vai até a Toca de um Texugo ou de uma Raposa. Eles vão atacar imediatamente, não tem espaço o suficiente para se locomover e além disso você não vai conseguir ver nada na escuridão.
— Mas...
— Não! Nós vamos voltar para o Acampamento e reportar isso. Estrela de Fogo vai decidir o que fazer.
Sem esperar por uma resposta de Pata de Esquilo, ele caminhou na direção de onde eles tinham vindo. Pêlo Gris o seguiu de perto, mas Pata de Esquilo parou na borda da Clareira.
— Nós teríamos conseguido, — Ela reclamou, olhando novamente para a entrada escura da caverna. — Eu podia tê-lo atraído para fora e então...
— E então ele teria te matado com apenas um golpe, e nós ainda sim teríamos que voltar e reportar isso. — Garra de Amora Doce miou, numa tentativa de desencorajar a Aprendiz. — O que nós iríamos dizer? 'Desculpe Estrela de Fogo, mas nós acidentalmente deixamos um Texugo matar sua Filha'? Ele teria arrancado nosso couro! Texugos são más notícias, ponto final.
— Bem, você não vai encontrar Estrela de Fogo deixando um Texugo à solta no território do Clã do Trovão sem fazer nada. — Pata de Esquilo elevou sua cauda felpuda e mergulhou na vegetação rasteira para se colocar ao lado de Garra de Espinho e Pêlo Gris.
Garra de Amora Doce ergueu seus olhos côr de âmbar e murmurou.
— Pelo amor do Clã das Estrelas! — E seguiu os três gatos pela Floresta.

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